segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

E como você entende o Bairro do Bixiga?


Convidamos a todos para nos enviarem seus relatos, e aproveitamos para já colar um 'novinho' de uma participante do primeiro dia de Expedição. Obrigada!
Vir a ver
Falar do Bixiga é falar de história, todo mundo sabe. É entender um pouco do que era São Paulo e em quê esse bairro se transformou. Em verdade, em quê se transforma o tempo todo. O Bixiga muda de cores, de sentidos, de impressões a cada segundo. Resulta em uma mistura bagunçada, assim... gostosa pra quem sabe apreciar - poderiam dizer alguns moradores. Os contrastes sem limites desse lugar abarcam histórias variadas, algumas reveladas, outras tantas ainda por serem descobertas.
É horário de almoço no refeitório Pena Forte, localizado no endereço de mesmo nome. A refeição para moradores de rua custa um real. Ainda, porque não se sabe até quando a alta da inflação e o aumento dos preços não vão afetar esse valor. Dali, um jovem ganha as ruas ao som da música que sai de seus fones de iPod. Vai saber... Um senhor, de pele morena e barba branca, arrisca: “Un cigarrillo? No smoke?”. Nada. E nada mal, afinal. A poucos metros dali, um aviso na parede: “Carlito Barbeiro está aquí”. No Bixiga, as placas também falam, pois o silêncio é raro e a inquietude constante. Travestis atravessam a rua enquanto meninas conversam aos berros. Senhores maltrapilhos observam o passar de gente, conversam, fumam... Sentam e deitam na calçada. O espaço é, antes de mais nada, público. “Aqui pode tudo”, sentencia uma mulher sentada em frente ao Ki Luxo Brechó. Um imóvel de poucos metros onde pequenas estrelas azuis e amarelas pintadas na fachada reforçam o tal luxo. Roupas de inúmeras cores, brincos e colares de strass, chapéus e até mesmo um berrante pendurado na parede estão à venda nesse espaço diminuto, separado dos fundos por uma cortina com várias pimentas de enfeite nas extremidades.
Em lugar que se pode tudo, pode-se escrever Rua Manuel Dutra ou Manoel Dutra. Sinta-se à vontade para escolher o que melhor lhe convém. As placas dirão um, o mapa outro. Pode-se dar de cara com membros do PCC e nem se dar conta disso. E ler ainda no muro, ironicamente: “A paz é fruto da justiça”. Como se a bandeira do Brasil pintada ao lado debochasse de quem sabe o que, de fato, acontece ali. Ou então pedir para que se recolham as “kakas de seu cãozinho”. Assim mesmo. As placas – de novo elas – são meigas na decoração, mas talvez nem tanto na linguagem. No lugar de “kakas”, “fezes”, se preferir, logo mais à frente. Os condomínios residenciais até se engajam nas campanhas pela limpeza das calçadas, mas parece que, antes de uma luta perdida, ninguém resolveu entrar na batalha. Em algumas vielas mais calmas, os sons mais altos vêm do canto dos pássaros e o cheiro das “kakas” é bastante desagradável. Cheiro que, minutos depois, poderá ser substituído pelo de carne crua ou de enjoativos incensos sabe-se lá de onde. “Errar eumano” (errar é humano) diz o adesivo colado no vidro de trás de um carro estacionado. Ainda mais estando no Bixiga, quem veria problema em errar? Parece que os erros deveras significativos estão longe. Ao menos, de serem resolvidos. Dois jovens catadores de lixo que se vêem diante de um pedido para uma fotografia, não recusam, mas reagem em tom de revolta: “Tira foto e manda pro Kassab. Administração da miséria é fácil”.
Fácil é passar desapercebidamente pela entrada humilde do Pacha Ynti Bar, um restaurante de donos chilenos e comida caseira. É só dar dois passos à frente e ver que, lá dentro, o universo é outro. Sob a iluminação baixa, um grupo de jovens termina seu almoço. As mesas e cadeiras de madeira à espera dos clientes darão espaço para a pista de salsa ao anoitecer. Uma descoberta e tanto. Difícil é levar adiante, sob as mesmas condições, a mensagem estampada na camiseta de um senhor: “Eu sou um templo e estou de pé”. De boina preta, já desgastada, ele toma conta dos sapatos velhos despretensiosamente enfileirados na calçada. É preciso seguir pela rua para desviar dos sapatos. Pode isso? No Bixiga pode.
Pode-se até encontrar um carro esportivo Mitsubishi amarelo encostado num estacionamento.  Passar por debaixo do Viaduto Dr. Plínio de Queirós e se deparar com um morador de rua acariciando seu cachorro vira lata como um casal de namorados. Encontrar uma geladeira verde (daquelas bem antigas, da época em que luxo mesmo era ter geladeira de qualquer cor, menos branca) logo na entrada da lanchonete. Nos últimos anos, com a ascensão econômica da classe média, pôde-se até instalar TV a cabo em residências antigas, corroídas pelo tempo. As mudanças, porém, não param por aí. O boom imobiliário da cidade e a conseqüente falta de espaço para expandir os imóveis têm levado para o Bixiga gente com poder aquisitivo bem mais alto ao quais os moradores estavam acostumados. Condomínios com apartamentos de menos de 50 metros quadrados chegam a valer quase 500 mil reais. Uma mistura de luxo, pobreza, história. A profusão de cores destoantes emanadas da pintura das casas e das estampas de roupas já não é mais o maior contraste do bairro italiano. O contraste social agora é típico de quem vive ali. Uma paisagem historicamente formada por pensões coloridas, antigas, rústicas vêm dando lugar a prédios altos e terrenos prontos para o início das construções. O futuro Terraço Paulista, na rua Paim, já tem corretores de plantão, devidamente engravatados, à espera de moradores que estão por chegar. Como propõe uma frase pintada em letras garrafais num muro branco, ao lado do simpático restaurante Terraço´s Bis, “vir a ver” é sentir a pulsação e o espírito próprios do bairro do Bixiga.  
Por Larissa Tsuboi Ogusico

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